Straight to your head

Narrativa

O Woodstock Discos outrora ficava na Lobo da Costa e eu costumava passar frequentemente por lá na época da escola. Em uma dessas ocasiões tocava nas caixas um som que achei sensacional: The Mutton Birds. Uma banda neozelandesa da qual eu nunca havia ouvido falar. O CD era usado e o único disponível. Na época eu trabalhava meio turno, mas gastava todo meu dinheiro com guloseimas, cachaça e gibis, então precisei tomar uma decisão duríssima: Voltava de ônibus para casa ou utilizava o dinheiro da passagem para completar o valor do CD (white people problem, mas a história é autobiográfica e verídica, então, fazer o quê). Ouvi meu coração (e tímpanos) e voltei caminhando para o Fragata, segurando firme meu novo tesouro com as duas mãos e assobiandinho as músicas. Escutei muito aquelas caras, estavam sempre no meu CD Player (quando que eu fiquei tão velho?) e eu mostrava as canções para meus amigos com uma espécie de orgulho, como se elas fossem de minha autoria. Talvez se eu tivesse tomado aquele ônibus teria sido bem diferente. Acho que como um Pequeno Príncipe musical foi o tempo que dediquei ao meu disco que fez ele tão importante. Atualmente, eu simplesmente ouviria a banda no Spotify ou Youtube e talvez não desse a mínima. Sinto falta daquela apreciação artesanal. Mais densa e demorada. Claro que ninguém tem culpa de abandonar essas delicadezas porque o mundo é tão imediato que atropela quem parar e prestar atenção nas coisas. Mas nessa época de isolamento social, para quem tem o privilégio de ficar em casa, aconselho essas sutilezas. Limpar delicadamente alguma coisa. Arrumar o guarda-roupas, organizar os livros, reler dedicatórias, escrever, ouvir um disco inteiro, suspirar. As coisas pequenas importam. E às vezes preenchem o vazio que a grandeza de nossas vidas insiste em deixar.