Narrativa
Lá em casa, assinávamos o jornal O Globo. Ou, então, alguém se deu ao trabalho de comprar essa edição, talvez em uma banca de jornais, talvez originalmente à procura de um maço de cigarros, talvez meu padrasto. Fato é que aos domingos os jornais traziam a maior quantidade de cadernos. E que este, para além de seus suplementos tradicionais, veio com um material incomum. É um encarte fora do padrão, de meia página, que se desdobra em um caderno de 8, sendo 4 delas inteiramente coloridas, e que mimetiza seus códigos da tipografia, diagramação e grafismo. Na capa, sob o título chamativo “Eles voltaram”, surge um tiranossauro rex desenhado, rasgando com suas garras afiadas as características colunas de texto desse tipo de impresso. Trata-se, em suma, de material promocional para o lançamento do filme “O parque dos dinossauros”, de Steven Spielberg, em todos os cinemas do país. Quem quer que tenha comprado ou recebido o jornal aquele domingo julgou (corretamente) que esta propaganda fosse interessar à crianças como eu. E certamente pagou o preço disso — os ingressos, a pipoca, o refrigerante — ao ver-se obrigado a levar-me ao cinema para assistir ao tal filme na sessão de estreia. Mas fez também com que algo restasse daquele dia. Não as manchetes “urgentes” de economia, política ou esporte que estamparam a capa do jornal. E sim a notícia, dada a uma criança de 8 anos de idade, de que esse seu planeta já havia sido povoado, há centenas de milhões de anos atrás, por monstros gigantescos, misteriosos, insondáveis. No dia 20 de junho de 1993 o presente e passado se inverteram em prioridade, assim como o real e a ficção. E esse encarte promocional de jornal seria guardado por mim, em alguma pasta ou gaveta, com o maior zelo do mundo. Assim como aquele pedaço de âmbar pré-histórico contendo um mosquito petrificado, a partir do qual os dinossauros ressuscitariam no cinemas dali a apenas cinco dias.