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Memórias em encontro
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Miniatura
Título
Memórias em encontro
Narrativa
"Gosto de compor objetos. Sozinhos contam uma história, ou muitas, mas em conjunto formam múltiplas narrativas e abrem caminhos para travessias infinitas. Não somos apenas afetados no campo da visão: podemos encostar, cheirar ou
até mesmo escutar. Penso que, muito além do apego emocional aos seus significados e histórias, eles nos fazem transitar por memórias do esquecimento, quais escolhemos? Quais ficam para trás? Por quê? São estímulos sensoriais
que ativam memórias e nos comunicam com nossos universos invisíveis, por vezes, esquecidos. Montar pequenas instalações com esses pertences que atravessam nossos corpos é misturar memórias, nos cuidar e acolher. Dá para
mergulhar na história de uma única peça, porém quando objetos se encontram um portal se abre: o da possibilidade de criar saúde no presente. BERIMBAU E CAXIXI: meu filho os ganhou na sua primeira troca de cordão. O coloquei na capoeira pois achei que era uma forma dele começar a construir memórias coletivas com suas ancestralidades e, também, porque das atividades disponíveis me parecia a mais interessante. Hoje ele tem cinco anos, tinha três na época. Durante a cerimônia ele e seus dois amigos eram os mais novinhos, não conseguiam parar na roda, eu e outros responsáveis corremos o tempo inteiro atrás deles, nos exaurimos. Na volta brincou bastante com os sons, quase bati o carro por conta do tamanho do berimbau que veio parar no banco da frente em determinado momento. Ao chegarmos mexeu tanto na cabaça que a rachou. O caxixi permanece na ativa, mas o berimbau não dá mais para tocar. Sigo com ele, por quê? BONECA DAS ÁFRICAS: me lembro de existir criança e uma tia viajar para o Quênia, na época ninguém me explicava o que era o Quênia, só me falavam que ela tinha ido para a África. Quando retornou não me trouxe essa boneca de presente, mas sempre a quis. Ficava em sua casa, que até hoje é praticamente uma exposição de suas
viagens, eu a olhava e desejava, nunca falei nada e nem encostei nela. Já na vida adulta conheci as multiplicidades das Áfricas e o Quênia, esse apenas por histórias e internet. Certo dia, ao visitá-la, falei olhando para a boneca: ""Gosto tanto
dela!"". Foi assim que a ganhei. Ao chegar em casa fechei os olhos e encostei em todos os seus contornos, foi uma bela viagem. BONECA RUSSA: nunca namorei um russo, todavia tive um longo relacionamento com um polonês. Estávamos
em uma feira ao ar livre na Cracóvia e havia bonecas russas por todas as partes. Comprar uma dessas na Polônia? Ter tal objeto? Nunca me encantei por elas. O namorado quis me dar uma de presente, não deixei. No último dia de viagem
passei na frente de uma barraquinha de um senhorzinho e a vi: vermelha, nada perfeita, bem simples. Seu rosto era estranho nas suas outras internas, comprei. Brigamos por conta disso. Muitas crianças que passaram por minhas casas
brincaram com ela(s). Anos mais tarde, depois de ser mãe, li sobre Matrioskas, elas nos conta a história da maternidade, do amor. De vez em quando a vida faz sentido… A COMPOSIÇÃO: a cabaça rachada do berimbau é a casa, o caxixi é o
som-telhado, deitada como chão está a boneca das Áfricas que ergue a semente da Matrioska na menor de suas partes internas. Qual saúde é possível criar?"""
Descrição da Imagem
Berimbau com cabaça rachada, caxixi acima. Boneca de tecidos, adornos e miçangas. Bonequinha de madeira pintada: a menor parte de uma matrioska.
Doador
Isla Nakano


