Narrativa
"O anel que tu me destes, era vidro e se quebrou. O amor que tu me tinhas, era pouco e se acabou...” Ao longo da vida ganhamos, e damos,muitos “anéis” e no dia 30 de junho de 2003 eu resolvi me presentear com um, na esperança de que não se quebrasse com o tempo. Nesse dia, depois de idas e vindas ao longo de quinze anos como professor de ensino médio e de cursos pré-vestibulares, me tornei professor em uma universidade pública, a UNESP, no interior de São Paulo. Ser professor em uma instituição como esta é um grande privilégio e um enorme desafio. Privilégio porque dentro do ensino público é o setor menos mal remunerado, existe a possibilidade de aprimorar seus conhecimentos e desenvolver suas habilidades, além de conviver com pessoas com certas afinidades eletivas e jovens com grandes potencialidades. Desafio porque o convívio com a instituição nem sempre é fácil e com os pares nem sempre é prazeroso, ao longo do tempo nos tornamos guardiões de uma riqueza que nem sempre tem o seu valor reconhecido e, sem o devido cuidado, a distância entre o que somos e gostaríamos de ser, assim como entre os recursos físicos e humanos que temos e queríamos ter, cresce constantemente. Ao enfrentar esses desafios, em alguns momentos, o professor pode se sentir desestimulado, inútil ou vencido, e a relativa estabilidade do emprego público pode converter-se no esforço mínimo, no fazer burocratizado e na ilusão do dever já cumprido. Para não ceder facilmente a esses sentimentos eu encomendei para mim, de um bom artesão, um anel de prata, enorme para os dedos de um homem grande, ornado com uma pedra marrom, e o uso na maioria de minhas aulas. A prata, o metal que em latim é chamado argentum, palavra cuja origem se referiria a “aquilo que brilha de forma clara”, é um material que simbolicamente está ligado a Lua, vista como um princípio feminino e do saber, em contraste com o ouro, que seria solar, masculino e do amor. Em termos esotéricos, por sua limpidez, é identificada com a pureza, a franqueza, a consciência tranquila e a fidelidade. A pedra, por sua vez, chamada de “olho de tigre”, é um tipo de quartzo com estrias de diferentes tons de amarelo e marrom, que fazem com que se assemelhe, quando a luz incide sobre ela, como o olho de um grande felino. Simbolicamente seria uma pedra de proteção, coragem e cura, e um poderoso amuleto contra a inveja. Se entre os pecados capitais, como tão bem definiu Zuenir Ventura, o ódio espuma, a preguiça se derrama, a gula engorda, a avareza acumula, a luxúria se oferece, o orgulho brilha e só a inveja se esconde, ela nada significa em relação ao anel que escolhi.Toda vez que uso o anel, olho para ele e o toco enquanto dou aulas, me lembro da necessidade de resistir ao desestímulo, à inutilidade ou à derrota, e daqueles momentos que fizeram e fazem a opção por ser professor universitário valer a pena, enquanto sinto na pedra, sedimentadas entre as estrias de amarelo e marrom, as memórias dos alunos, colegas, lugares e eventos que tal percurso ali depositou. Por enquanto, o anel que eu me dei como símbolo de uma escolha, não só não se quebra como o amor nele contido também não se acaba."