Narrativa
A memória do encontro em uma carta Apegamo-nos, cada um de nós, a objetos, de cujas lembranças e emoções estão imbuídos. Dessa forma, tais sentimentos perduram por um período suficientemente longo nos pertences. Os objetos, assim, assumem um caráter principal de se fazerem testemunhas dos desdobramentos de tantos eventos que marcam o percurso autobiográfico do indivíduo. Penso nos objetos, sobretudo, como uma possibilidade de reencontrar-se concretamente: seja na própria existência no passado, seja no estabelecimento de uma aproximação com quem amamos. Por isso, a situação de isolamento social atual imposta pela propagação do Covid-19 faz-me manter a distância de amigos, familiares e do Mustafa. Por respeito, por admiração e por amor, Mustafa é meu filho. Mustafa é um refugiado sírio que deixou o seu país de origem em consequência dos conflitos civis na cidade de Damasco. Mustafa,acolhido no Brasil, e sua família buscavam estabelecer laços sociais e elaborar formas de viver no novo país. E, nesse momento, de procura por afeto foi que nos conhecemos. O carinho é recíproco. Em 2016, ano esse de sua chegada, conhecemo-nos. De lá para cá, compartilho com ele e com sua família amor, afeto e respeito à diversidade cultural. Fisicamente, pelo cuidado que a pandemia nos faz ter, estamos longe, porém, um objeto opera sobre o vazio do distanciamento:uma carta escrita e desenhada por Mustafa em comemoração ao Dia das Mães no Brasil. Ela me foi dada acompanhada de um afetuoso abraço e de uma palavra de obrigado. Nesse mundo de ponta cabeça, quem agradece ao Mustafa sou eu. Agradeço a ele por eu estar aprendendo esse amor materno. Há muito amor exposto na cartinha repleta de fragmentos de recordações e de significados.