Narrativa
O primeiro telefone sem fio foi patenteado em 1901 em no Brasil e em 1904 nos Estados Unidos, país cuja influência e referência cultural é indiscutível em terras brasileiras, embora não coincida. Por quê, de alguma forma, um país inferior esteve à frente no processo de de desenvolvimento de comunicação a distância? O aparelho foi desenvolvido por um padre brasileiro. Não me recordo o nome, mas, acho que com esse fato osso contextualizar o que tenho a simbolizar: o calor da comunicação, que nós, brasileiros, temos necessidade. Seja com abraço, aperto de mão ou um grito seguido de um aceno na rua, você tem necessidade de se comunicar e expressar pro seu amigo que vê todos os dias, ou raramente. Isso está no nosso sangue, na nossa cultura. Quando morava em Nova Iguaçu, cidade da baixada do Rio de Janeiro, todos os dias de manhã eu chegava no meu quintal para estender roupa e ouvia a vizinha contando, gargalhando e aos berros no telefone. Parecia estar em uma anedota interminável. História atrás de história, às vezes eu fazia minhas tarefas na calma pra ficar mais tempo ouvindo a história, a velha sabia se posicionar e contar detalhadamente os fatos, uma cronista de telefone. Me fazia viajar nas fofocas que narrava, melhor que novela. Pergunto-me se era um telefone sem fio, mas eu imagino que fosse, ela parecia estar sentada na varanda e ninguém deixa o telefone na varanda. Com certeza era telefone sem fio, pensando bem. Aqueles que fazem "piiimm", quando você aperta o botão de desligar e o coloca no gancho novamente. - Espera, aquilo ainda é chamado de gancho? Eu tenho um telefone sem fio, ganhei ele em 2017, o que é muito desatualizado pra época. Foi uma herança da minha avó paterna que também adorava uma anedota - fofoca - ao telefone. Em 2017, minha avó descobriu um câncer muito desenvolvido que se espalhou por todos os ossos. Quando ganhei, vieram uns fios, uma caixinha de encaixar o telefone sem fio, e o telefone em si. Nunca usei. Guardei os fios e usei a caixinha e o telefone como enfeite em uma prateleira do meu quarto. Com o tempo, comprei um guarda-roupa maior e joguei tudo que ficava na prateleira no guarda-roupa. Daí, esses dias, estava procurando uma coisa e o telefone e seu suporte caíram! E o suporte quebrou! Fiquei triste, lembrei de todo o significado e pensei em como comunicações são rompidas com a nossa negligência, com o nosso desleixo. Antigamente, eu zelava por aquele enfeite, limpava, lustrava, brilhando e exposto. Se perguntassem, era herança da vó, depois, ignorei. É só um telefone sem fio, mas é o aparelho que une mentes separadas há quilômetros. Como nossos celulares, com redes sociais, onde encontramos e desencontramos pessoas. A gente briga mais pelas teclas do que riria por telefone sem fio... Os jovens telas trincadas e os telefones sem fio sem fofocas nos isolam do calor da comunicação, que, hoje, em meio à uma pandemia frienta, deveria nos aquecer.