Narrativa
Conheci Jorgina em terras quilombolas. O que gente da cidade ia fazer naquelas lonjuras, ela queria saber. – Viemos plantar nossa comida, expliquei. Jorgina riu sua risada gostosa, debochada. – Me mostra a tua mão. Virei a palma cheia de bolhas e cortes, as unhas escuras de terra. – É mesmo!, ela se surpreendeu, e me mostrou a sua, coberta de calos. Logo desatou a rir de novo. Jorgina era assim: franca e alegre. Muitos filhos, muito trabalho. Num dia de sol, caminhávamos pelo arvoredo com a criançada correndo em volta, aproveitando as frutas da época. Paramos embaixo da guabirobeira carregada. Os olhos de Jorgina se esconderam na sombra da árvore. Estranhei. – Não posso com essa fruta. E então ela me contou. Quando era criança, em frente à casa da mãe havia uma grande guabirobeira, como aquela. O pai não deixava subir para colher as frutinhas: dizia que era perigoso, um galho podia se quebrar. Mas mal o pai saía de casa, a meninada subia na árvore para se deliciar de guabiroba. Um dia ele chegou mais cedo. Quando o avistaram, foi aquela correria. Todos despencaram árvore abaixo e se mandaram para o mato. Só ficou Jorgina, que não teve tempo de chegar ao chão. O pai a agarrou com força e amarrou no tronco da árvore. Depois pegou o chicote e bateu xingando, com crueldade de feitor. Jorgina ainda tinha as marcas. Nunca mais quis comer guabiroba. Agora, sempre que encontro a fruta me lembro de minha amiga. Quem já provou sabe: a guabiroba se abre doce na boca, mas guarda também o amargo da vida.