Narrativa
Escolhi musealizar um “casaco roxo-violeta” produzido artesanalmente pela minha mãe. O objeto faz parte de uma coleção particular de inúmeros casaquinhos, casacos, casacões, blusas, batas, ponchos, pelerines, mantas, entre outras peças confeccionados principalmente por mim e por minha mãe. A maior parte dessas peças são de lã, portanto, cumprem sua função nos dias frios; no verão, são esquecidas no maleiro. O significado do casaco roxo-violeta é, a princípio, o amor as técnicas manuais que foram tradicionais entre as mulheres da família por no mínimo 3 gerações (falo especialmente das técnicas do tricô e do crochê que foram passadas de mãe para filha) – de minha vó para minha mãe e tias, e dessas para mim e algumas primas. O processo de ensino e aprendizagem acontecia naturalmente no quotidiano familiar ou em visitas de família quando se compartilhavam pontos, modelos e processos de acabamento diferenciado. Ao mesmo tempo, outras experiências atreladas ao universo feminino eram repassadas. Além da técnica, acho importante sinalizar um significado que talvez algumas pessoas não percebam: o casaco roxo-violeta (e todos os outros itens dessa coleção têxtil) está impregnado do tempo dispensado pela tricoteira e de uma quantidade de conteúdo intelectual discretamente entrelaçado por entre os fios. São pensamentos particulares que, na maior parte das vezes, não foram verbalizados: em cada enlace de fio são sonhos, ideias, vitórias, preocupações, soluções, arrependimentos...Amor. Vida. O poema que fiz e postei no blog de tricô no inverno do ano de 2007 (link: www.tramas100dramas.blogspot.com.br) talvez explique melhor o que tento dizer. Ao olhar para minha “coleção têxtil” percebo que cada peça que fiz representa parte de minha própria história de vida e, as peças que foram presentes de minha mãe, parte dela. Particularmente, quando uso meus presentes, lembro do aconchego de mãe e dos ensinamentos que tive com mulheres comuns que, ao invés de tecer seus próprios sonhos, dedicaram muito tempo para tecer ideais para os filhos. Quando minha mãe se for, ficará o casaco roxo-violeta representando os últimos sonhos que essa “tricoteira de mão cheia” laçou para mim. Veronica C. B. Santos - Pelotas/RS