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Caco
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Documento
Metadados
Miniatura

Nº de Registro
MCB_3_0402
Título
Caco
Narrativa
Ao longo da história, a humanidade associou objetos ao aspecto mágico de suas mitologias. Diante de muita questões inexplicáveis, o medo assaltava o espírito. Perder-se da realidade era comum – como ainda é até hoje – e para que a realidade sensível, física, pudesse atingir subitamente o corpo e emanar sinais de sua própria existência na terra, se agarravam todos a objetos táteis, conferindo poder. A medicina de líderes espirituais recomendava o uso de amuletos para se proteger de doenças e evitar qualquer mal. Fico me perguntando se não podemos de certo modo fazer essa correspondência com objetos vindo de pessoas queridas, ofertado a nós com a mesma intencionalidade daqueles que confeccionavam seus próprios amuletos: presença. E presença é proteção, é acompanhamento, fortalecimento e acolhimento. Presença também é tempo do agora, que é o tempo do sensível, da experiência física de troca e recebimento. Quando seguro algum objeto, tudo isso vem em algum nível, mesmo que não seja de forma consciente. Imagino essa relação com o amuleto, mas os objetos afetivos são só o vulto disso, essas funções estão esmaecidas pelo tempo e por nosso afastamento das impressões mais intuitivas. Caco é um bicho de pelúcia. Nem assisti muito ao programa de tv desse personagem, mas Caco era bem carismático e conquistou uma geração inteira. Não é pelo programa, mas tem enorme significado para mim. Sou residente em São Gonçalo, no Rio, e na primeira viagem que fiz a São Paulo para visitar a casa de um amigo e fazer passeios por lá recebi dele o Caco que estava na caixa de pequenas doações. Meu amigo me deu, assim, como não quisesse nada e, de repente, fiz do sapo o meu mascote. Levei o Caco a trilhas, inclusive uma em que me perdi com minha melhor amiga e a gente achou que morreria pela floresta. Antes desse desespero todo, tirei várias fotos do Caco pela trilha. Levei ao trabalho, interagindo com meus colegas de mesa, alertando a hora do café e fazendo outras brincadeiras que tornavam o dia mais leve. Levei para casa de outros amigos e muitos outros lugares. Tudo porque aquele objeto veio de uma pessoa que amo. Dei significado ao sapo, meio que sem visar isso. Até porque já continha algum significado nele: as alegrias que vivi com amigos em SP. Memórias. É muito louco o personagem ter nome Caco. Essa palavra me traz à cabeça tantas imagens... é justamente no momento em que mais me encontro “aos cacos”, que tenho acolhimento em um objeto com o mesmo nome. Recorro a um fragmento, do meu passado, que faz parte de mim. Somente agora, em plena quarentena, deixando o Caco pra lá e pra cá na minha cama, onde às vezes me deito para conversar por vídeo chamadas, onde durmo jogando o Caco em algum canto ou em cima da cabeça ou colocando perto do travesseiro, é que me dei conta de quanto poder ele tem – minha mãe falou que ela tem mania de colocar duas mantas em cima porque acha que o peso das cobertas a faz dormir melhor e reclamou que velho tem manias; mas acho que adotamos hábitos seja qual for nossa idade. Nessas mesmas vídeo chamadas, já relatei as histórias pelas quais o Caco atravessou comigo, fazendo as pessoas rirem das minhas pequenas loucuras, mas produzindo com isso o mesmo bem estar e alegria que vivi quando o recebi. Além disso, estamos todos em necessidades emocionais e é preciso produzir presença, preencher o vazio que causa medo. Recobrar memórias tem sido a bússola para sair de tudo isso sem grandes feridas pessoais – já que as coletivas estão sendo insuportavelmente incontáveis - e objetos afetivos nos caem como raios em momentos obscuros. Se isso não é de alguma forma um amuleto mágico, talvez eu nunca tenha aprendido o que é.
Descrição de Imagem
Boneco tipo pelúcia, no formato de um sapo, colorido com o corpo na cor verde clara, olhos brancos e pretos com detalhe no pescoço em amarelo.
Doador
Nádia Oliveira