Narrativa
Estava no segundo período da faculdade de pedagogia e pela primeira vez desde que estava lá, um suicídio havia acontecido dentro da universidade. Todas da turma estavam abaladas e tristes, mesmo não tendo visto a cena, o clima em toda Universidade era horrível. Uma professora querida nos dava aula logo no primeiro tempo. Em vez da convencional sala no 12° andar (último andar do prédio), convidou-nos a ir ao redor do lago dos patos. Não lembro as palavras exatas, mas aquele momento ali, ao redor daquele lago, em círculo, me marcou. Em algum ponto da aula ela distribuiu folhas secas. Acho que para nos lembrar da vida e de suas fases (e quem sabe lembrar de Sandy e Junior, dupla amada pela professora e por quase toda a turma). Escrevi a data, o nome da professora e guardei aquela folha seca. Lembro que que ela leu um texto e falou sobre professores que são gaiola e professores que são asas. Acredito que tenha sido o texto abaixo: Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas. Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do vôo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o vôo. Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são pássaros em vôo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o vôo, isso elas não podem fazer, porque o vôo já nasce dentro dos pássaros. O vôo não pode ser ensinado. Só pode encorajado. Rubem Alves Em 2016 comecei minha carreira como professora de educação infantil na rede pública, e me pergunto sempre se estou sendo gaiola ou asa, recordando com carinho e saudades desse dia, da professora e da Universidade. No dia 29/10/2013, ela ensinou para a turma sobre a vida, lição mais valiosa para aquele início de jornada acadêmica. No fim, o que importa de verdade, sempre será a vida. (Re)Encontrei esta folha durante a quarentena, enquanto organizava coisas antigas. Escrevi esse relato e enviei para a professora por e-mail. Este encontro virtual foi tão valioso como aquele, um afago no coração em tempos tão difíceis. Um objeto simples e tantos sentimentos e sentidos que ele provoca.
