Narrativa
Como contei na história da Pentax de família com o espelho quebrado, eu gosto muito de viajar sozinha. Mas fiquei um tempo sem me permitir fazer isso (tenho ideia dos porquês, mas não é sobre isso a história). Bom, em março de 2015 eu comecei a dar aulas de arte, após passar no susto em um concurso. Eram 25 horas semanais, numa cidade duas horas distante de onde eu moro, onde eu fazia o trajeto de volta quase todo dia chorando. Eu sou um tanto dramática ok, mas tinha dia que ninguém gostar de uma aula que você demorou 6 horas para planejar, ou de sentir que 35 pessoas não gostam de você ao mesmo tempo, ou ouvir um pai falar algo muito pesado para um gurizinho de 8 anos, ou simplesmente está cansada do barulho absurdo que é um escola, do ônibus muito cheio, das vacas que dormiam no meio da estrada, era demais para aguentar sem chorar. No final deste ano bem movimentado, entre boas descobertas e algumas durezas, eu sabia exatamente o que eu precisava quando inesperadamente recebi um dinheiro que tinha emprestado há um tempo. Decidi que eu viajaria sozinha. Mesmo juntando essa quantia com o valor das férias de 2015 eu não tinha grande coisa, então com a casa cheia de gente nos preparativos para o natal eu pesquisei o lugar mais barato para ir fora do Brasil e qual a forma mais barata de chegar até lá. Três dias depois começou minha viagem de 26 dias para a Bolívia, de ônibus, trem, barco, van, bicicleta, a pé e de avião. Eu conheci pessoas muito interessantes e diferentes em cada parada, vi paisagens que nunca pensei em ver com os próprios olhos. Sabe quando você olha pela janela do ônibus e vê umas montanhas lá no horizonte? Tá, agora imagina o formato e as cores dessas montanhas completamente diferentes do que você está acostumado a ver. E a cor da água. E a temperatura da água. E a cor das pedras. E o ritmo da respiração subindo uma montanha. E o frio. E o pôr do sol. A comida e os cheiros. A cor dos telhados e o formato das flores. As plantações e as pichações, tudo é diferente do que você está acostumado a ver. Essa viagem me devolveu para mim, exatamente como eu precisava naquela época, me inspirou, renovou o olhar e as forças. E pelo jeito, também inspirou minha amiga, a Mariah, que bordou essa cena fotografada na terceira cidade que conheci na Bolívia e meu deu de presente ( a foto foi feita por um amigo que fiz na fronteira com o Mato Grosso do Sul e que me levou para esse lugar que eu nunca teria ido a princípio. Viajar sozinho e sem planos definidos tem dessas, a gente influencia no caminho dos outros e eles nos teus, a gente escolhe momentos de fazer amizade e momentos para ficar só, olhar o céu absurdamente preto do deserto e não precisar de lembrete melhor que esses que brilham lá no alto, que na real e de verdade a gente está só com a gente mesmo até o final). O bordado que a Mariah fez, assim como essa viagem que fiz, eu guardo bem guardado numa caixinha transparente para não empoeirar e lembrar.